Em entrevista ao editor Alan Caldas do Jornal Dois Irmãos, o Dr. João Paulo Fischer fala sobre a pandemia do coronavírus (Covid-19), principalmente em relação aos cuidados que é preciso ter com os mais idosos.

Entrevista realizada no dia 27 de março de 2020.

João Paulo e a esposa, a fisioterapeuta Milena Fischer, são proprietários da clínica SerraVille Reabilitação e Geriatria, em Dois Irmãos.

Sempre gostei de trabalhar com pessoas mais idosas. E importante prestarmos atenção neste grupo, pois a população está envelhecendo de maneira significativa. Hoje, se vive mais, e pouco tem sido feito em termos estruturais para atender a essa população. A necessidade deles em serviços de saúde só tende a aumentar, diz o Dr. João Paulo Fischer.

O que tem a dizer para a terceira idade sobre a Covid-19?

João Paulo – Primeira coisa: fiquem em casa. Isso não é brincadeira. Aqui no Serraville, já estamos no processo de usar máscaras e impedir as visitas há mais de duas semanas, tentando barrar ao máximo as crianças perto dos idosos, pois elas são carregadores silenciosos. As crianças geralmente não dão muitos sinais de que estão infectadas e carregam uma quantidade significativa de vírus. O que a gente pode dizer agora é que fiquem em casa, pois temos que esperar passar esse momento de surto. Tem muita gente ainda achando que é brincadeira ou exagero, mas não é exagero. Eu costumo dizer que para pacientes idosos com qualquer tipo de comorbidade, como hipertensão, diabete ou alguma doença cardiovascular, a taxa de mortalidade pode chegar entre 15% a 20%. Basicamente, isso como fazer uma roleta russa com um revólver de cinco tiros na cabeça: é uma chance em cinco de morrer. Os números, mesmo da população em geral, quando a gente junta todos, também são alarmantes. Nós temos condições médicas de tratar essas pessoas, o problema é que nos não temos recursos físicos suficientes.

O que significa não ter recursos físicos suficientes?

João Paulo – Falo em terapia intensiva. Essas pessoas precisam de suporte ventilatório em função da gravidade da pneumonia que essa síndrome do coronavírus costuma causar. Como é um vírus, não temos cura para ele. Temos que aguardar que o corpo monte as defesas e consiga eliminá-lo, consiga pelo menos barrar o avanço e reduzir a doença. O próprio corpo do doente é que tem que ser curado. Em idosos e em pessoas com comorbidades, isso demora mais tempo ainda. Portanto, essas pessoas, quando necessitam de ventilação mecânica e de suporte de terapia intensiva, às vezes elas precisam de um período muito extenso ocupando aquele leito. Não é coisa de dois, três dias; é uma coisa que pode durar duas, três semanas ou mais.

A segregação dos idosos não pode, num curso maior de tempo, gerar uma espécie de depressão?

João Paulo – A gente tem percebido que já tem gerado, principalmente naqueles idosos que são mais ativos, que gostam de sair pra rua, que gostam de passear e gostam de ter uma vida social bastante movimentada. Esse ir e vir faz parte do bem-estar, com certeza influencia na saúde e vai influenciar na imunidade. No entanto, este é o momento em que temos que fazer uma escolha: a escolha de tem sacrificar essa parte e tentar usar as tecnologias que temos disponíveis hoje em dia na comunicação com filhos e netos para amenizar. É o que estamos fazendo aqui no Serraville: a gente tem dado notícias para os filhos e netos por videoconferência ou por telefone.

 O que o senhor pensa sobre as pessoas voltarem a trabalhar onde há aglomerações?

João Paulo – Temos que ver a situação do ponto de vista médico, mas tem uma questão econômica que também afeta a saúde. Um dos preditores de morbidade, que a medicina conhece há muitos anos, é a renda familiar. Se a renda familiar das pessoas cai demais, a ponto de ter problema para se alimentar – o que é uma coisa bem real no Brasil, isso passa a ser um problema de saúde pública também. E uma opinião pessoal: a gente não pode olhar para a questão da pandemia só do ponto de vista médico estrito; temos que olhar com uma visão um pouco mais global. A gente sabe que as pessoas não têm reservas financeiras suficientes para se manterem durante o período que a gente necessitaria e gostaria que elas ficassem em isolamento social.

É possível saber o número de pessoas infectadas?

João Paulo – Existem vários modelos matemáticos que tentam estimar o número de infectados reais pelo número de casos confirmados, mas não é possível saber. Até porque não se tem kits e testes para fazer na população inteira. Não somos um país como a Coréia do Sul ou o Japão, que fizeram testes em massa. A gente tem tido bastante dificuldade. Se eu peço um teste, provavelmente vai ser negado porque nos já estamos no que é chamado de ‘transmissão comunitária’. Como não tem testes para todos, as pessoas não vão mais ouvir falar muito de casos a mais fora do hospital. Não quer dizer que não tem, quer dizer que a gente não sabe. Os modelos matemáticos que se aplicaram nos países de primeiro mundo não servem para o Brasil, pois eles testaram mais do que nós ou em volume diferente. Isso tende a dar uma falsa sensação de segurança. Por exemplo: se sabe que o número de contaminados na China foi de 80 mil. E óbvio que 80 mil pessoas para um país daquele tamanho, com 1,2 bilhão de habitantes, é um número irrelevante, não faz o estrago que houve. Teve muito mais que 80 mil. Acontece que não se testou essas pessoas algumas delas morreram e não deu nem tempo de testar.

O que pode acontecer quando o inverno chegar?

João Paulo – Essa é uma preocupação ainda maior. Não temos leitos de UTI com uma folga adequada. As vezes, só pelo fato do inverno chegar e as doenças respiratórias começarem a acontecer, nós já ficamos com superlotação
nas UTIs. Agora, imaginem o inverno e mais uma pandemia de coronavírus. Não podemos esquecer também que os leitos de UTI continuam sendo usados por quem se acidenta, por quem enfarta, por quem tem AVC, por quem necessita de cirurgias de urgência, cirurgias por câncer… Enfim, a vida continua. É bastante problemático.

O que dizer para as pessoas com mais de 60, 70, 80, 90 anos?

João Paulo – Vocês já passaram por muita dificuldade na vida, e essa tem que ser só mais uma; não pode ser a final. Vocês terão que aguentar o isolamento social, de preferência não sair de casa nem para comprar comida. Peça que alguém traga comida, procurem limpar e esterilizar as embalagens, porque a gente não sabe quando o surto vai aumentar no Brasil. Não aumentou até agora porque estamos sendo muito felizes com nosso isolamento social; ele está sendo bastante efetivo.